segunda-feira, 26 de abril de 2010

Conto : "Reencontro"

Me sentei na velha poltrona, largando meu corpo ao descanso. A lareira continua apagada desde o dia em que ela partiu. Acendi um cigarro em meio ao silêncio e a solidão. Uma lembrança boba me veio a cabeça. Lembrei-me que há dois meses atrás, ela estaria na cozinha preparando um lanche ou lavando alguns pratos. Agora ela estava morta e eu fiquei só com as lembranças.Havia jurado a ela que estaria para sempre a seu lado e agora ela parte me deixando no meio de uma tormenta, privado do meu único amor, o verdadeiro. Se foi, num desastre de carro. O dia de sua morte era lembrado em todos os dias da minha vida. Uma tortura que nunca cessava.
Por mais que nossos corpos estivessem distantes, podia sentir nossas almas unidas. O meu amor voltou pra me buscar. Ao deitar-me ouvia sua voz a me chamar e, sentia seu calor ao meu lado na cama. Foi por isso que fiz aquilo. Não podia deixar que o meu grande amor, a mulher que jurei proteger, partisse sem que eu nada fizesse.
Levantei-me da poltrona e fui ao banheiro. Peguei a gilete menos enferrujada e deslizei a lâmina pelo pulso esquerdo, abrindo uma fenda por onde meu sangue fugia das minhas veias. Me senti fraco e a voz de minha amada ecoava cada vez mais alto dentro da minha cabeça. Cada vez mais alto. Segurei a gilete com toda a força que eu ainda tinha, meus dedos já não me obedeciam como de costume. Com muita dificuldade, cortei o pulso direito e o corte foi profundo.
O sangue era presente em todo lugar. O espelho, o chão, o lavatório, tudo estava tingido de vermelho. Meus braços começaram a formigar. Fui me sentar sobre o vaso sanitário mas escorreguei no meu próprio sangue e bati com a cabeça no chão molhado. Arrastei-me meio tonto e consegui sentar-me. Ali, naquele vaso, passei os últimos seis minutos da minha vida.
Abri meus novos olhos sem me importar com a intensa claridade. Percebi a aproximação de alguém. Não era um corpo material, mas um corpo feito de luzes em forma de mulher. Minha mulher. Me esperando para juntos começarmos uma eternidade. Não importa o julgamento dos homens, só o que importa é o verdadeiro amor. E agora tenho tempo infinito para provar isto a ela.
E vivemos felizes para sempre.
Fim

Conto : "Roubo de sangue"

Saí do supermercado por volta das onze. Já estava acostumado ao fato de eu sair sempre mais tarde que os demais funcionários. Há cinco anos trabalho nesse mercado. Mostrei serviço eficiente e logo tornei-me o gerente da loja. Salário maior, maiores possibilidades. É claro, minha vida havia mudado do dia para a noite. Não é tão fácil manter-se calmo quando você se torna um alvo fácil para os ladrões. Nunca se sabe realmente o que esperar de um assaltante. Suas verdadeiras intenções, quais são?
Embora sempre houvesse tais interrogações em minha mente, elas de nada serviram naquela noite.
Por volta das onze, saí do supermercado, cheio de sacolas como sempre. Andei em direção ao meu carro, um Pálio verde-metálico. Custara barato para o meu novo salário, pelo menos. Aquele homem surgiu do nada, como se já me esperasse naquele local, e com voz rouca ordenou :

- Não faz barulho! Passa a carteira e o celular! Rápido!

O criminoso trazia consigo uma velha faca de cozinha com o cabo muito sujo. Encostou a lâmina contra o meu pescoço, rendido entreguei meus pertences a ele. Meu aparelho celular e minha carteira, que continha algumas cédulas novas e alguns cartões de crédito. O sujeito ainda levou meu relógio e uma pulseira de ouro, presente da minha mãe.
Olhou-me com desprezo, como se eu fosse o culpado de possuir tantas coisas enquanto ele próprio não tinha nada.
Bem, agora ele tinha. Meus bens agora eram dele. E eu acreditava que tudo havia terminado.
O homem largou meu braço e, em seguida, golpeou-me com sua faca duas vezes. No primeiro golpe, senti o frio metal cortar-me o lado esquerdo do abdôme e bater secamente contra os meus ossos. No segundo, já não sentia mais nada por causa da perda de sangue excessiva. O homem fugiu da cena do crime em instantes, levando o meu sangue em suas mãos e meu dinheiro em seus bolsos. Não sei como, mas me socorreram a tempo levando-me às pressas para a sala de cirurgia. E hoje recordo-me de tudo com muita clareza. E mesmo que o tempo venha apagar minha memória quando eu já estiver bem velho, há algo que sobreviveria em minhas lembranças. O olhar frio daquele homem infeliz enquanto tentava roubar-me a vida.

Poema : "Reza impressa"

Sentado nos sonhos
decifrando o próximo passo
ouça a música que deu início
aos sonhos eufóricos e sonhos profundos
Quero gritar no silêncio de uma página
gesticulando com a pena entre os dedos
e respirar mesmo ar que meus filhos
Quero partir de encontro ao meu mundo
que até pra mim é desconhecido
Espelhar-me na face do papel
molhando-o com minhas lágrimas
e beijando-o nas horas felizes
Venho com minha sina
lutando até o fim que não existe
jogo a luz sobre minhas sombras
aprisiono-as e as apresento...
...a ti somente.

Eu e o Diabo

Bem, venho através deste espaço dar explicação para a presença do Diabo em algumas das minhas histórias. Não tenho pacto com Satã, nem tampouco tenho estima por sua pessoa.
Mas sei que posso ser mau compreendido enquanto o estiver usando como um personagem mais frequente.
De qualquer forma, o que quero deixar bem claro é que o Diabo que cito nos contos não é aquele que se busca nas profundezas do Inferno, e sim, aquele que se encontra nas profundezas do inconsciente humano.

domingo, 25 de abril de 2010

"O último ato de George Henrique" - Parte Dois

E mais uma vez, todos esperavam ansiosos para assistir a nova peça.

Todas as entradas foram vendidas em tempo recorde e não haveriam lugares vazios aquela noite. O espetáculo foi intitulado como “O último ato” e o próprio George faria o papel principal. Dizia ele ser um personagem muito complexo, o que o impossibilitava de entregar a tarefa a outro ator. A peça era um monólogo em que um ator enlouquecido pelo trabalho em demasia desabafava suas magos ao público.

O diálogo era convincente, os efeitos de som e imagem eram perfeitos. A maquiagem do escritor dava ainda mais ênfase às olheiras adquiridas durante a depressão e a loucura. Trajando roupas folgadas George berrava a plenos pulmões as suas falas :

- Já estou farto dos disfarces, nem sei mais quem eu sou. Resta-me apenas uma solução...

George observava discretamente as feições a sua frente. Conseguira mais uma vez prender a atenção do seu público. Não havia na face da terra uma sensação àquela, tantas vezes vivida.

E foi pensando nisso que o escritor deu andamento ao esperado desfecho. Trouxe para o centro do palco uma cadeira e, subindo nela enrolou uma corda em seu pescoço. As luzes se apagaram como já havia ensaiado, dando ao lugar um aspecto sombrio. Então, luzes vermelhas se ascenderam, iluminando o corpo de George que se debatia sobre a cadeira derrubada. Silêncio na platéia, até que, enfim, cessam os movimentos e restam apenas o corpo inerte, a cadeira derrubada e a corda que ainda estralava com o peso. Daí, o que começou como uma reação de espanto entre os espectadores logo transformou-s numa explosão de aplausos e as cortinas se fecharam. Em meio à multidão, um senhor muito bem trajado, dá a entender que gostou muito do espetáculo.

Com um charuto entre os dentes, aplaudia e gritava :

- Bravo! Bravo! Fiz um excelente negócio! – e foi sumindo entre os demais.

O morto foi retirado do palco e levado por uma ambulância escoltada.

No dia seguinte foi dada a notícia. Era difícil de acreditar que George se matara ali no palco, na frente de todos, enquanto julgavam estar assistindo uma encenação. Mas o fato realmente incompreensível era bem outro. O diabo, naquela noite, assistiu a peça da primeira fila e, dizem as más línguas, que ele adorou o final.

Fim

Conto : "O último ato de George Henrique" - Parte Um

O teatro da cidade estava lotado como sempre. O público esperava ansioso pelo início do espetáculo. George Henrique, autor da peça, aguardava sentado na primeira fila, imaginando se essa nova criação agradaria à todos. Esse tipo de preocupação era muito comum até mesmo para ele, que já se acostumara com o sucesso. Durante meses a fio, esta nova peça havia sido aguardada, afinal, com o roteiro assinado por George, era garantida a qualidade do enredo.

No final da apresentação, todos aplaudiram de pé, enquanto os atores e atrizes agradeciam a platéia de mãos dadas. Alguns dos presentes emocionaram-se com a história. George apreciava as reações das pessoas enquanto eram tocadas pela sua arte. Mais tarde, atrás das cortinas, todos o parabenizavam :

- Mais uma noite inesquecível, parabéns.

- Muito obrigado, Paula. Ainda acho que faltou algo no desfecho.

- George, como pode ser tão auto-crítico? Esta peça foi ótima.

- Não sei, não me convenceu. Talvez eu faça melhor na próxima.

Mas George andava estranho nos últimos dias e só quem fosse bem próximo do dramaturgo podia perceber. Talvez por isso ninguém havia notado. George não tinha parentes próximos com ele. Sua amada esposa falecera a pouco mais de dois anos. Seus filhos estudavam no exterior. Vivia extremamente só, com suas personagens e fantasias.

Mas, por algum motivo ainda desconhecido, até mesmo sua imaginação o abandonara. Não conseguia dar continuidade ao seu trabalho. Ao pensar em abandonar o teatro e suas histórias, era tomado por enorme desespero. Então, não pensou mais nessa alternativa. Sacou seu bloco de anotações e dirigiu-se ao teatro, onde sentia-se mais à vontade para escrever seus roteiros. George gostava de criar olhando para o palco, assim podia imaginar como ficaria a peça depois de concluída. Porém, por mais que tentasse, nada vinha à sua mente. Era como se sofresse um bloqueio, mal tão temido por seus colegas de profissão. O escritor estava ficando cada vez mais recluso e sombrio. Já não ria, já não se alimentava.

Mas no momento em que seu desespero chegou ao ápice, veio a ajuda inesperada.

- Como posso viver sem meu trabalho? Prefiro a morte. Seria capaz de vender minha alma ao diabo para não acabar assim...

O que George não esperava era que suas súplicas fossem ouvidas. O próprio diabo se fez presente no teatro, os dois conversaram durante muito tempo e fizeram o maldito acordo.

Fim da parte um.

Conto : "Prova de amor"


 
Ilustrado por Wallace Nunes
                                 
http://seilazine.blogspot.com/2010/06/prova-de-amor.html


Jonas apressou-se pois não queria chegar tão tarde à casa de sua amada.
Já faziam quatro anos que ele a conhecia e sabia bem o que a incomodava, por isso,
evitava qualquer ato que a deixasse irritada. O rapaz calçou seu tênis,apanhou as chaves na mesa,arrumou o boné sobre a cabeça e saiu confiante. Tinha uma missão a cumprir essa noite, provaria a Jéssica que a amava de verdade.
Essa prova de amor se fez necessária após o término do namoro de três anos e quatro meses. Fora um choque para ele. Amava-a intensamente à ponto de fazer uma tatuagem com seu nome sobre o braço direito.
Jonas seguiu pelas ruas pouco movimentadas, ouvindo o som dos próprios passos e meditando sobre seus loucos planos amorosos. De fato, já estava tudo planejado e nada poderia dar errado. O que Jonas mais queria era impressionar Jéssica, de modo que ela jamais o esquecesse e, naquela noite, o garoto conseguiu exatamente o que queria.
Ao chegar em frente a casa da jovem, a chamou :
- Jéssica! Jéssica, to aqui fora!!!
A garota abriu a janela, surpresa com a visita inesperada, dizendo:
- Jonas, já são onze horas! – e acalmando-se, perguntou – Em que posso te ajudar?
- Vim pra dizer que te amo...
Jonas interrompeu-se, meio choroso, emocionado com suas próprias palavras.
- Jonas, eu pensei que já tínhamos conversado sobre isso antes.
- Eu sei, bem...só queria que você soubesse...que ainda te amo muito.
O silêncio invadiu o local. Jéssica custava a entender o que se passava.
- Bem, querido...já está tarde, volte para sua casa e amanhã conversaremos sobre tudo isso...
- Espera, amor. Preparei uma surpresa pra você, em nome de todo o meu amor por ti. Vim até aqui hoje para provar-lhe que meu sentimento é real.
E Jonas sacou um revólver calibre trinta e oito, enfiou o cano da arma em sua boca e disparou, caindo pesadamente sobre o gramado. O sangue espalhou-se rapidamente, formando uma poça rubra. Jéssica não parou de gritar desde então. A visão horrorosa de Jonas dando cabo de sua própria vida deixou-a chocada demais para qualquer outra reação.
A garota foi levada a uma clínica de tratamento psiquiátrico onde está internada até hoje.
Em meio as confusões adolescentes em sua cabeça, duas verdades a incomodam desde àquele dia. Jonas realmente a amava e, matou-se por sua causa.

Pré - Fácil

Bem, como vão?
De início devo me desculpar pela demora das postagens.
Estava já com tudo pronto para postar cinco contos, mas me encontrei com um velho amigo que me alertou para o perigo de postá-las sem seus devidos registros de direitos autorais.
Deixo bem claro que, não escrevo para fins lucrativos mas odiaria ver "meus filhos" criados por um pai que não sou eu.
De qualquer forma, decidi postar só as duas primeiras, já que são tão ruins que dificilmente alguém se daria ao trabalho de "roubá-las".
Aliás, as duas histórias que vêm à seguir, são os contos em que o Wallace ( do Sei Lá Zine!!!) estará trabalhando na quadrinização.
Espero que gostem pois, pra mim, existe muito valor sentimental.
Boa leitura e até a próxima.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O que vêm por aì!!!

Por muito tempo adiei a "construção" desse Blog.
Mas tinha meus motivos.
Nunca me convenceu essa idéia de que outras pessoas leriam o que escrevo, afinal, são necessários tempo e paciência para ler algo na tela do computador ( pelo menos eu acho, prefiro a boa e velha palavra impressa).
Pensando nisso, decidi, meio perdido ainda, mais ou menos o que queria fazer.
Aliás, já tem um projeto no qual estou envolvido. Quadrinhos....
Wallace, meu grande amigo ( espero!) mantém por aqui um ótimo blog no qual divulga seus desenhos e HQ´s de criação própria!!! Muito bom, por sinal!!!
Tenho duas histórias em que "The Wall" já está trabalhando....

Enquanto não posto nada, fiquem com as incríveis ilustrações de Wall!!! Até breve!!!!

seilazine.blogspot.com