terça-feira, 8 de junho de 2010

Conto : "A casa sem relógios"

Parte Um
A casa permaneceu vazia por muito tempo.

Agora era chamada de "esconderijo da morte". Sua história trágica fala sobre o terror nas madrugadas e manhãs de desconforto.

Seu único habitante acostumara-se com o silêncio desde muitos anos atrás. Seu nome já não era importante, só a sua presença poderia valer algo. Os moradores do bairro diziam coisas assustadoras sobre aqueles cômodos vazios. De gritos solitários à invasores nunca mais vistos. Era, de certo, mal assombrada.

Dificilmente, alguém se aventurava a entrar na casa, pois todos conheciam aquelas lendas e sabiam até que ponto poderiam ser verdadeiras. Mas uma vez ou outra, algum destemido grupo de jovens aparece, passam a noite, e juram uns para os outros que o que viram na casa era efeito do alcóol. Os boatos crescem e logo haveria uma nova remessa de aventureiros. Alguns deles nunca mais seriam vistos. Assim como o Caio...

Moleque esperto, de sábias decisões. Um dia, porém, escolheu a opção errada.

Ele e mais dois amigos decidiram entrar na casa. Passariam a noite lá dentro. Só estavam tentando provar que eram corajosos,mas acabaram conhecendo o medo muito de perto.

- Me dá aqui esta lanterna. - pediu Caio - Vamos lá pra cima!

O corredor, cheio de têias, cheirava a mofo. Havia umidade nas paredes. As portas estavam abertas.

- Dizem que estes eram os quartos das crianças, vejam!

- Sinistro, cara! Olha a cor destas paredes. Parece que a casa está morta...

- E como é que se mata uma casa?

- Sei lá, porra. Foi só uma metáfora.

- Vamos! Tem mais um quarto no fim do corredor.

A lanterna pouco ajudava na iluminação. O último quarto, porém, abrigava a luz que vinha da rua. Havia, pelo chão, alguns fios desencapados, uma ou duas poças de àgua, ratos ligeiros como o vento e poeira acumulada por muito tempo de abandono.

- Mas o que é aquilo? - Caio apontava para a janela.

Havia mais alguém naquele quarto. Podia-se ouvir a sua respiração pesada. A luz da lua iluminava seu rosto brando.

- Quem está aí?

Mesmo que ele pudesse responder, creio que não o faria. O medo não se apresenta, ele apenas aparece. Em tempos passados, o terror tinha hora marcada, mas agora o tempo estava do seu lado.



Fim da Parte Um

Conto : "Uma luta contra a morte"

Parte Um

Luana corria pela avenida desesperadamente.

As últimas horas foram repletas de terror. Seus amigos estavam mortos e quem devia estar morto, agora vivia. À sua volta, o caos tomava conta da cidade. Não havia lugar seguro. Não havia em quem confiar. Carapicuíba estava morrendo.

A garota entrou no supermercado passando pelo enrme estacionamento, onde os carros aguardavam o retorno de seus motoristas, inutilmente. Lá dentro, as mercadorias estavam espalhadas pelo chão e havia sangue pintando as paredes. O terror passou por lá, mas será que tinha ido embora? Não.

Luana ouviu um ruído. Não eram passos. Pareciam ser rodas. Procurou a fonte de tais ruídos pelos corredores. Estava mais próximo. Lá estava, no corredor dos produtos de limpeza. Três garotas mortas, funcionárias do supermercado, com suas roupas rasgadas e ferimentos abertos sobre a pele. Os patins garantiam a eficiência do atendimento, mas agora só trariam a morte de forma mais veloz. Luana abafou um grito, não tinha sido vista e não queria chamar a atenção. Um descuido, no entanto, levou o detergente ao chão e entregou o esconderijo da moça.

As três mortas viraram para ela, com rostos e expressões decompostas. Se pudessem, esboçariam um sorriso, afinal, estavam em vantagem sobre o alimento. De certo, ela não teria para onde escapar e a fome seria amenizada mais uma vez.

Mas talvez, o que tornava os montros mais velozes fosse também o seu ponto fraco.

Claro. As vassouras.

Os três demônios viam à toda velocidade, grunhindo feito animais. A garota sabia que corria perigo, precisava se manter calma acima de tudo. O nervosismo poderia matá-la.

Derrubou as vassouras pelo chão, atrapalhando a passagem das mortas. Correu em direção à saída. De volta ao estacionamento, Luana viu um carro com a porta aberta. Não era muito, mas poderia se esconder ali. Não esperava ter tanta sorte, mas as chaves estavam no contato. Tentou dar a partida mais de uma vez. Ao conseguir, olhou novamente para as portas do supermercado. Lá estavam elas. As três mortas famintas ainda procuravam por sua carne.

Pisou fundo no acelerador, atirando-se em direção as portas. Em instantes, não haviam mais três garotas mortas, só haviam braços, pernas e cabeças sem vida. Dentro do veículo, Luana bateu com a cabeça no volante. O sangue escorria-lhe pelo rosto. Estava inconsciente.





Fim da Parte Um

Conto : "Mark, o mecânico"

Parte Um



O homem triste olhava pela janela.

Não estava triste por se arrepender de seus pecados afinal, não havia arrependimento algum. Do mesmo modo que a falta da mulher também não era motivo de sua tristeza.

Faziam dois meses que Marcos, o mecânico, havia matado a mulher e seu amante. Era notícia em todo o estado de São Paulo. O que tinha acontecido com o homem? Perdera a cabeça?

Depois do duplo homicídio, Marcos nunca mais falou. Decidiu calar-se para sempre. Apenas ouvia. Ouviu quando a defesa alegou insanidade. Ouviu a sentença dada pelo juíz. Ouviu a porta se fechando às suas costas. Mas havia algo dentro de Marcos. Algo muito ruim. Não só não se arrependeu de matar a mulher como sentia ainda um enorme desejo de sangue. Mas para isso, teria de fugir daquele sanatório mesmo que deixasse uma trilha rubra pelo caminho. Não havia mais tempo e nem paciência. Queria estar livre o mais rápido possível.

As vozes em sua cabeça lhe diziam o que fazer. O mecânico sempre fora um homem teimoso. Não ouvia conselhos de ninguém e fazia apenas o que achava certo. Tornou-se perigoso quando passou a ouvir a si mesmo. As palavras que ouviu no motel ecoavam na sua mente.

"Mate-a" - diziam as vozes.

Conhecia bem os horários daquela prisão. Dentro de quinze minutos, viria a enfermeira com a bandeja de medicamentos.

"Mate-a" - as vozes diziam.

O homem que já não era dono de suas próprias atitudes simplesmente cumpriria as suas ordens e sentiria-se contente com isso. Como o planejado, quinze minutos se passaram antes da porta se abrir. Lá vem ela. Moça bonita, com seus vinte e poucos anos. Loira , cabelos longos e rosto inocente. Lembrava sua ex-esposa.

Ah, mas essas de rosto inocente são, sem dúvida, as mais traiçoeiras. Ela parou ao lado do mecãnico enquanto preparava a injeção. Foi tudo muito rápido. Às vezes, os gritos não chegam à tempo. A jovem sentiu seu braço sendo agarrado, viu o homem tomar-lhe a seringa das mãos e cravá-la em seu pescoço. Não uma, mas quatorze vezes perfurado. Antes mesmo de pensar em gritar a enfermeira já estava morta.





Fim da Parte Um