quarta-feira, 12 de maio de 2010

Conto : "A Fome dos Ressucitados"


            Parte Três

            Carapicuíba, 6 de Setembro de 2.002.

            Agora, Malaquias era um deles. Não pensava e nem mesmo respirava. Só queria comer.
            Entre os vivos e desesperados, havia uma senhora com a neta nos braços. O cheiro da carne fresca guia Malaquias até sua presa. A criança. A pobre e indefesa criança.
            Ele a arrancou dos braços da avó e preparava-se para dar a primeira mordida quando seu cerebro foi atingido pelo poder de fogo e calor de uma bala certeira. Malaquias caiu no chão.
            Não estava vivo, não estava morto, e não mais se mexia.

            - Pegamos mais um, Sargento! - disse o Cabo Pereira enquanto resgatava a garotinha.
            - Venha, depressa! Entre no carro! - responde o Sargento Mello.

            Os dois oficiais do exército, até o momento, haviam resgatado três pessoas, contando com a menina. Estavam todos no banco de trás, com muito medo dos mortos-vivos. Cabo Pereira estava apreensivo.

            - Isso não vai acabar nunca? Até quando teremos que ver os mortos voltando a vida?
            - Não importa o tempo que isso dure, o importante é o que podemos fazer até que isso acabe. Não podemos ignorar a existência de sobreviventes, mesmo que não possamos fazer muito a respeito. - respondeu o Sargento.

            - Pra onde a gente vai levar essas pessoas? Não há lugares seguros, Sargento!
            - Vamos levá-los até o posto policial. Fica aqui perto. De lá, pediremos reforços. O que me preocupa é este seu ferimento na perna. Tem certeza de que está bem?
            - É claro que sim, Sargento! Não vou me tornar uma dessas coisas aí fora!
            - Espero que não, rapaz. Espero que não.

            Ao chegarem no posto, encontraram-no com as luzes apagadas. Parecia que não tinha ninguém ali.

            - Vamos entrar! - ordenou o Sargento.   

            A porta estava trancada por dentro, foi preciso empregar a força para abri-la.
            Lá dentro, silêncio e surpresa. A policial, jovem e precavida, escondeu-se embaixo do gabinete. Estava em posição de defesa. Saiu rapidamente de seu esconderijo com a pistola empunhada, apontando para os recém chegados. Mas, vendo que eles não eram os inimigos, desculpou-se de imediato.

            - Pensei que fossem os monstros, me ajudem! Por favor, eu estou com muito medo!

            - Mantenha a calma, soldado! - respondeu o Sargento.

            As palavras, agora, só ecoavam na cabeça do Cabo Pereira. Seu corpo estava esquisito, parecia estar mais pesado. E uma fome inexplicável. Já estava fora de si quando agarrou o Sargento Mello pela farda e comeu a sua orelha. Os demais sobreviventes fizeram tudo para viverem o máximo possível. No entanto, a fome do soldado era maior do que seus esforços. Um à um, todos foram devorados. Mas ainda haveria mais carne para saciar a fome do soldado, pois o dia só estava nascendo.
           
           
          Continua...

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